Câmara Corporativa: Não há blindagens perfeitas

03-01-2020
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A direcção do PS convenceu-se de que a blindagem dos estatutos, se conjugada com o controlo do aparelho partidário, seria suficiente para a sua eternização no poder. Foi por isso que, quando António Costa anunciou a sua intenção de contribuir para revitalizar o PS, tornando-o o pólo aglutinador de uma política verdadeiramente alternativa à do Governo de Passos & Portas, os órgãos dirigentes do PS o intimaram a ater-se aos estatutos. Veja-se a sequência das declarações: António Costa revelou a sua disponibilidade no dia 27 de Maio. De imediato, a direcção do PS afirmou à Lusa que, se António Costa quer disputar a liderança do partido, «tem que reunir apoios para convocar democraticamente o congresso». A própria presidente do PS, Maria Belém Roseira, reforçou, ainda no dia 27 de Maio, a posição da direcção do PS, fazendo alusão aos passos que, em seu entender, teriam de ser dados para a convocação de um congresso extraordinário: «Os estatutos têm de ser respeitados. E de acordo com os estatutos está muito claro como é que pode ser feito um congresso extraordinário. Tanto por decisão do secretário-geral, por decisão da Comissão Nacional, por decisão da maioria das federações com maior número de militantes, uma dupla maioria. Está muito claro nos estatutos, portanto vamos aguardar».No dia a seguir à declaração de António Costa, o secretário nacional António Galamba veio confirmar a posição da direcção do PS e da presidente Maria de Belém Roseiro: «Quem quer que se realize um congresso extraordinário vai ter de cumprir as regras que estão nos estatutos».Entretanto, aconteceu um fenómeno de todo inesperado para a direcção do PS: de norte a sul do país, as bases do PS, constituídas por militantes e simpatizantes, as concelhias e as federações distritais mobilizaram-se para requerer a realização de eleições directas para a escolha do secretário-geral e a convocação de um congresso extraordinário. Confrontada com este levantamento popular, a direcção do PS deu o dito por não dito. Mesmo que sejam observados os requisitos previstos nos estatutos para a convocação de um congresso extraordinário, não poderá haver eleições directas para a escolha do secretário-geral. Porquê? Porque o secretário-geral é inamovível! O país é apanhado de surpresa: os representantes do povo na Assembleia da República podem censurar o Governo, mas os delegados eleitos pelos militantes num congresso extraordinário não podem substituir o secretário-geral, a menos que o próprio se demita. O PS junta-se ao PCP na blindagem do cargo de secretário-geral. Perdida a batalha de transformar os órgãos distritais e concelhios em guarda pretoriana de António José Seguro, a direcção do PS vê-se constrangida a torcer o disposto no n.º 3 do artigo 54.º. Se esta norma prevê a figura do congresso extraordinário, deve ser interpretada à luz dos princípios democráticos, permitindo o escrutínio dos órgãos dirigentes do partido. Não há golpadas perfeitas: os autores dos estatutos previram a figura do congresso extraordinário para que os militantes do PS pudessem apenas confraternizar? A direcção do PS vem agora, através de António Galamba, afirmar que a exigência de um congresso extraordinário electivo é pretender instrumentalizar os «estatutos em função dos interesses particulares ou das ambições pessoais de cada momento». Ora aqui está um bom auto-retrato da actuação de António José Seguro. Começa-se por impor a recolha de assinaturas para a convocação do congresso e acaba-se a defender que esse congresso não pode ter efeitos electivos. ADENDA — Pedro Delgado Alves desmonta, ponto por ponto, a esdrúxula interpretação dos estatutos que está a ser feita.


A direcção do PS convenceu-se de que a blindagem dos estatutos, se conjugada com o controlo do aparelho partidário, seria suficiente para a sua eternização no poder. Foi por isso que, quando António Costa anunciou a sua intenção de contribuir para revitalizar o PS, tornando-o o pólo aglutinador de uma política verdadeiramente alternativa à do Governo de Passos & Portas, os órgãos dirigentes do PS o intimaram a ater-se aos estatutos. Veja-se a sequência das declarações: António Costa revelou a sua disponibilidade no dia 27 de Maio. De imediato, a direcção do PS afirmou à Lusa que, se António Costa quer disputar a liderança do partido, «tem que reunir apoios para convocar democraticamente o congresso». A própria presidente do PS, Maria Belém Roseira, reforçou, ainda no dia 27 de Maio, a posição da direcção do PS, fazendo alusão aos passos que, em seu entender, teriam de ser dados para a convocação de um congresso extraordinário: «Os estatutos têm de ser respeitados. E de acordo com os estatutos está muito claro como é que pode ser feito um congresso extraordinário. Tanto por decisão do secretário-geral, por decisão da Comissão Nacional, por decisão da maioria das federações com maior número de militantes, uma dupla maioria. Está muito claro nos estatutos, portanto vamos aguardar».No dia a seguir à declaração de António Costa, o secretário nacional António Galamba veio confirmar a posição da direcção do PS e da presidente Maria de Belém Roseiro: «Quem quer que se realize um congresso extraordinário vai ter de cumprir as regras que estão nos estatutos».Entretanto, aconteceu um fenómeno de todo inesperado para a direcção do PS: de norte a sul do país, as bases do PS, constituídas por militantes e simpatizantes, as concelhias e as federações distritais mobilizaram-se para requerer a realização de eleições directas para a escolha do secretário-geral e a convocação de um congresso extraordinário. Confrontada com este levantamento popular, a direcção do PS deu o dito por não dito. Mesmo que sejam observados os requisitos previstos nos estatutos para a convocação de um congresso extraordinário, não poderá haver eleições directas para a escolha do secretário-geral. Porquê? Porque o secretário-geral é inamovível! O país é apanhado de surpresa: os representantes do povo na Assembleia da República podem censurar o Governo, mas os delegados eleitos pelos militantes num congresso extraordinário não podem substituir o secretário-geral, a menos que o próprio se demita. O PS junta-se ao PCP na blindagem do cargo de secretário-geral. Perdida a batalha de transformar os órgãos distritais e concelhios em guarda pretoriana de António José Seguro, a direcção do PS vê-se constrangida a torcer o disposto no n.º 3 do artigo 54.º. Se esta norma prevê a figura do congresso extraordinário, deve ser interpretada à luz dos princípios democráticos, permitindo o escrutínio dos órgãos dirigentes do partido. Não há golpadas perfeitas: os autores dos estatutos previram a figura do congresso extraordinário para que os militantes do PS pudessem apenas confraternizar? A direcção do PS vem agora, através de António Galamba, afirmar que a exigência de um congresso extraordinário electivo é pretender instrumentalizar os «estatutos em função dos interesses particulares ou das ambições pessoais de cada momento». Ora aqui está um bom auto-retrato da actuação de António José Seguro. Começa-se por impor a recolha de assinaturas para a convocação do congresso e acaba-se a defender que esse congresso não pode ter efeitos electivos. ADENDA — Pedro Delgado Alves desmonta, ponto por ponto, a esdrúxula interpretação dos estatutos que está a ser feita.

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