Sérgio Vieira de Mello: o governo transitório da ONU não tolerará qualquer acção das milícias em Timor
«Não vamos agir como uma potência neocolonial. Não é essa a filosofia da ONU. Vamos tentar fazer o que a lógica e a razão ditarem, que é ajudar o povo de Timor e os seus actuais líderes, até podermos realizar eleições, para assumirem o mais depressa possível as suas responsabilidades pelo futuro do país», disse Sérgio Vieira de Mello numa entrevista concedida na véspera de partir para Díli - com uma passagem por Lisboa, para fazer o ponto da situação no território com o Governo de António Guterres.
Sérgio Vieira de Mello, o brasileiro designado pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, para o representar na UNTAET, recorda os momentos em que falou com Xanana Gusmão, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, quando, em Setembro, o líder timorense se deslocou aos EUA. A atitude de «profunda tolerância» de Xanana e «a sua visão a longo prazo, sem obviamente esquecer o passado, mas sem a obsessão pelo passado que conduz a reacções perigosas» constituem, para Vieira de Mello, «a melhor garantia para o futuro» dos timorenses. Ou seja, «tudo o que gostaria de ter visto em Pristina, no Kosovo», onde esteve logo após a chegada das tropas da NATO.
Agora, a maior das preocupações deste diplomata é a caótica situação de Timor, «sistematicamente enfraquecido e empobrecido».
Milícias de fora
Nos corredores da ONU corre a informação de que Sérgio Vieira de Mello não tardará a substituir Sadako Ogata como alto-comissário para os refugiados, um dos principais cargos diplomáticos do mundo. Vieira de Mello ocupa actualmente o cargo de subsecretário-geral para os Assuntos Humanitários. Além disso, foi este ano o primeiro funcionário a encarregar-se do Kosovo. É igualmente o funcionário superior responsável pela região dos Grandes Lagos, em África. Regressou recentemente daquela zona para receber a incumbência de ser o representante de Kofi Annan para Timor Loro Sae, durante pelo menos os próximos seis meses.
Entre as «prioridades» que diz ter, aponta «o regresso de todos os que foram deslocados, principalmente dos que procuraram refúgio no lado ocidental». Sem esta decisão, torna-se impossível «reanimar a actividade económica».
Inevitavelmente, a questão das milícias também preocupa o chefe da UNTAET. E se não esconde ser necessário «determinar qual foi exactamente o seu comportamento», também não deixa de excluir liminarmente a possibilidade de membros das milícias poderem vir a ser integrados na futura força policial. «Não se transformam bandos de criminosos numa força de segurança, não é?». E quanto à atitude que a ONU vai ter perante possíveis acções das milícias, garante que não será tolerada «qualquer actividade de grupos armados no interior de Timor».
As Falintil merecem-lhe, por seu turno, elogios: «Baseando-me no comportamento extremamente responsável das Falitinil nos últimos meses, creio que merecem consideração e simpatia». Aliás, o chefe da UNTAET reconhece que, «desde que tenham as capacidades básicas», os membros das Falintil podem ser recrutados para a nova polícia em Timor. Adianta ainda que é necessário «discutir com os responsáveis das Falintil um processo de transformação que pode implicar o recrutamento e o treino para uma nova força de segurança». Decisão que irá implicar a desmobilização de alguns guerrilheiros, reintegrando-os na sociedade civil.
Para Vieira de Mello é necessário incluir todos os timorenses durante o período de transição para a independência. Esta sua percepção é também válida para a governação civil do território: «Se encontrarmos pessoas ao nível municipal, distrital ou central com competência, tolerância e atitude congregadora, podemos e devemos envolvê-las na gestão efectiva dos assuntos».
O «papel» de Portugal
À questão sobre a adopção do português como língua oficial em Timor Loro Sae e à participação de Portugal no processo de transição, Vieira de Mello responde: «Claro que Portugal tem um papel especial». Apesar de sublinhar que a opção pelo português «não deve excluir outras línguas». Todavia, ressalva que «Portugal reconhece que, tal como a ONU, não deve impor nenhuma fórmula preconcebida em nenhuma área», esclarecendo que estas questões vai discuti-las «em pormenor» com o Governo português, antes de seguir para Díli.
Com os actuais dirigentes timorenses, o representante de Kofi Annan pretende avaliar «as capacidades internas, as suas ligações à parte ocidental da ilha, os seus interesses na sub-região com os países da Ásia e os países do Pacífico, principalmente a Austrália e a Nova Zelândia».
Mas a vida da futura nação não é possível sem a circulação de dinheiro - só que esta é uma questão a que Vieira de Mello não responde: «Não estou preparado para falar agora».
TONY JENKINS
correspondente em Nova Iorque
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Sérgio Vieira de Mello: o governo transitório da ONU não tolerará qualquer acção das milícias em Timor
«Não vamos agir como uma potência neocolonial. Não é essa a filosofia da ONU. Vamos tentar fazer o que a lógica e a razão ditarem, que é ajudar o povo de Timor e os seus actuais líderes, até podermos realizar eleições, para assumirem o mais depressa possível as suas responsabilidades pelo futuro do país», disse Sérgio Vieira de Mello numa entrevista concedida na véspera de partir para Díli - com uma passagem por Lisboa, para fazer o ponto da situação no território com o Governo de António Guterres.
Sérgio Vieira de Mello, o brasileiro designado pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, para o representar na UNTAET, recorda os momentos em que falou com Xanana Gusmão, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, quando, em Setembro, o líder timorense se deslocou aos EUA. A atitude de «profunda tolerância» de Xanana e «a sua visão a longo prazo, sem obviamente esquecer o passado, mas sem a obsessão pelo passado que conduz a reacções perigosas» constituem, para Vieira de Mello, «a melhor garantia para o futuro» dos timorenses. Ou seja, «tudo o que gostaria de ter visto em Pristina, no Kosovo», onde esteve logo após a chegada das tropas da NATO.
Agora, a maior das preocupações deste diplomata é a caótica situação de Timor, «sistematicamente enfraquecido e empobrecido».
Milícias de fora
Nos corredores da ONU corre a informação de que Sérgio Vieira de Mello não tardará a substituir Sadako Ogata como alto-comissário para os refugiados, um dos principais cargos diplomáticos do mundo. Vieira de Mello ocupa actualmente o cargo de subsecretário-geral para os Assuntos Humanitários. Além disso, foi este ano o primeiro funcionário a encarregar-se do Kosovo. É igualmente o funcionário superior responsável pela região dos Grandes Lagos, em África. Regressou recentemente daquela zona para receber a incumbência de ser o representante de Kofi Annan para Timor Loro Sae, durante pelo menos os próximos seis meses.
Entre as «prioridades» que diz ter, aponta «o regresso de todos os que foram deslocados, principalmente dos que procuraram refúgio no lado ocidental». Sem esta decisão, torna-se impossível «reanimar a actividade económica».
Inevitavelmente, a questão das milícias também preocupa o chefe da UNTAET. E se não esconde ser necessário «determinar qual foi exactamente o seu comportamento», também não deixa de excluir liminarmente a possibilidade de membros das milícias poderem vir a ser integrados na futura força policial. «Não se transformam bandos de criminosos numa força de segurança, não é?». E quanto à atitude que a ONU vai ter perante possíveis acções das milícias, garante que não será tolerada «qualquer actividade de grupos armados no interior de Timor».
As Falintil merecem-lhe, por seu turno, elogios: «Baseando-me no comportamento extremamente responsável das Falitinil nos últimos meses, creio que merecem consideração e simpatia». Aliás, o chefe da UNTAET reconhece que, «desde que tenham as capacidades básicas», os membros das Falintil podem ser recrutados para a nova polícia em Timor. Adianta ainda que é necessário «discutir com os responsáveis das Falintil um processo de transformação que pode implicar o recrutamento e o treino para uma nova força de segurança». Decisão que irá implicar a desmobilização de alguns guerrilheiros, reintegrando-os na sociedade civil.
Para Vieira de Mello é necessário incluir todos os timorenses durante o período de transição para a independência. Esta sua percepção é também válida para a governação civil do território: «Se encontrarmos pessoas ao nível municipal, distrital ou central com competência, tolerância e atitude congregadora, podemos e devemos envolvê-las na gestão efectiva dos assuntos».
O «papel» de Portugal
À questão sobre a adopção do português como língua oficial em Timor Loro Sae e à participação de Portugal no processo de transição, Vieira de Mello responde: «Claro que Portugal tem um papel especial». Apesar de sublinhar que a opção pelo português «não deve excluir outras línguas». Todavia, ressalva que «Portugal reconhece que, tal como a ONU, não deve impor nenhuma fórmula preconcebida em nenhuma área», esclarecendo que estas questões vai discuti-las «em pormenor» com o Governo português, antes de seguir para Díli.
Com os actuais dirigentes timorenses, o representante de Kofi Annan pretende avaliar «as capacidades internas, as suas ligações à parte ocidental da ilha, os seus interesses na sub-região com os países da Ásia e os países do Pacífico, principalmente a Austrália e a Nova Zelândia».
Mas a vida da futura nação não é possível sem a circulação de dinheiro - só que esta é uma questão a que Vieira de Mello não responde: «Não estou preparado para falar agora».
TONY JENKINS
correspondente em Nova Iorque