Ciclicamente, como que cumprindo um destino a que não podem fugir, homens e mulheres, velhos e novos, manifestam-se para exigir que a sua terra centrada em duas freguesias que constituem o pólo urbano de 14 mil habitantes deixe de ser comandada a partir de Guimarães, de que dista uma dezena de quilómetros.
Que estranha memória guarda esta gente que em 1964 quando o regime democrático era ainda uma miragem se uniria à volta de um Movimento para a Restauração do Concelho de Vizela (MRCV)? Que estranha gente é esta que quer restaurar um concelho que deixou de o ser há quase 600 anos, mais concretamente em 1408?
«Depois do 25 de Abril, vimos terras como Felgueiras, Paços de Ferreira e outras crescerem, desenvolverem-se. E Guimarães? É uma cidade que não parou, linda mesmo. Nós ficámos dentro dos nossos acanhados limites. Numa terra com uma das maiores taxas de gente jovem da Europa, não há um pavilhão gimnodesportivo, uma piscina municipal», diz Carlos Teixeira, comerciante reformado, membro do MRCV desde a fundação. É militante organizado há 33 anos. Faz lembrar a velha canção de Chico Buarque de Holanda, «Pedro Pedreiro», aquele que esperava «o aumento desde o ano passado para o mês que vem!»
Inquietação
Recorrendo de novo ao mundo das canções, em Vizela «há sempre inquietação, inquietação», como no tema de José Mário Branco. «E um sentimento», diz José Borges, chefe do posto do CTT em Vizela. O sentimento é bairrismo, alicerçado numa noção de injustiça.
«Em Guimarães há bons acessos, que também são construídos com o nosso dinheiro. Aqui, cada uma das duas freguesias urbanas recebe 30 mil contos por ano. Se fôssemos concelho, teríamos mais dinheiro para gerir os nossos destinos», afirma Manuel Campelos, de 73 anos, considerado o líder do MRCV desde a fundação.
A vila de Vizela é atravessada por uma estrada nacional, a 106. O trânsito é caótico, formam-se longas filas de camiões que desesperam os vizelenses. Olham para Guimarães e vêem o que sempre desejaram possuir: uma variante, que afastasse a confusão do centro da vila, onde, por ironia, se situam umas termas, das mais importantes do país no tratamento de reumatismo e dificuldades respiratórias. «Em 1941, havia cinco (!) carros em Vizela. Nesse ano, começou a falar-se de uma variante e não havia tráfego. Passaram 56 anos e continuamos à espera», recorda Carlos Teixeira.
Não há pagador de promessas na região. Promessas, essas sim, há muitas. Por isso, António Guterres, numa terra de «75 por cento de socialistas», como diz Manuel Campelos, decepcionou profundamente quem o apoiou.
De geração para geração
Cumprindo o seu destino, os vizelenses levantaram-se, uma vez mais, em defesa da bandeira azul e amarela, as cores da terra.
Na quarta-feira, após o regresso de Lisboa, milhares de habitantes reuniram-se na Praça da República. Uma larga percentagem tinha 18, 19 e 20 anos. Quer isto dizer que eram crianças que ainda não tinham ido à escola primária quando, em 1982, se registaram as mais violentas manifestações em prol do município e que culminariam em confrontos com a GNR, depois de terem sido arrancados quatro quilómetros de linha de caminho-de-ferro.
Ei-los, agora, dando os primeiros passos na caminhada. É isto: por uma estranha força interior, misto de bairrismo e de vontade de melhorar as condições em que vivem, os vizelenses não param. O resultado da votação desta semana na Assembleia da República uniu-os ainda mais.
Rejeitam a ideia de se tratar de uma luta contra Guimarães. «Não é! É, sim, uma luta por nós!», dizem os membros do MRCV, constituído por 20 membros que se quotizam para suportar as despesas do Movimento.
Freguesias de vários concelhos
«A região do vale do Vizela é constituída por 20 freguesias que têm uma paisagem comum e fronteiras naturais», diz Manuel Campelos. O concelho de Vizela, a criar e isso parece inevitável terá nove dessas 20: as duas que constituem o pólo urbano, cinco de Guimarães, duas de Lousada e duas de Felgueiras. «São aquelas em que as populações revelaram já esse desejo. E se outras quiserem aderir, também podem», explica o líder da restauração vizelense.
Numa zona onde não há desemprego «afixam-se pedidos para costureiras nas montras das lojas e não há respostas» e onde existe algum poder de compra, os habitantes queixam-se do pouco interesse que Guimarães lhes vota. «Nunca se construiu aqui uma casa de renda económica, nem um pavilhão para a nossa juventude praticar desporto», afirma Carlos Teixeira.
Negam qualquer ódio a Guimarães, mas admitem clivagens. «Até no futebol: eles são vitorianos e benfiquistas. Aqui, mais de 80 por cento são portistas», diz Campelos, um confesso sportinguista.
António Magalhães, presidente da Câmara vimaranense, é um declarado opositor da secessão. Diz tratar-se de uma questão política e não financeira. Afirma que não há razão para separações «se isso acontecesse haveria aqui um grupo de radicais como em Vizela que se manifestaria contra» e acusa os líderes de opinião de Braga de estarem por detrás das movimentações.
«Temos 73 freguesias. Se nos tirarem cinco, a cidade de Braga é que ganha com isso». Por isso, vai declarar «persona non grata» o ex-vice-presidente da bancada socialista António Braga, que votou ao lado de Vizela. «E vamos romper com a federação bracarense do PS», ameaça. A proposta de Guimarães é que se faça um estudo tendo em vista a reorganização do território nacional. No que é secundada por Jorge Magalhães, autarca de Lousada, também «ameaçado» em duas freguesias. Mas o estudo não mudará a vontade vizelense.
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Ciclicamente, como que cumprindo um destino a que não podem fugir, homens e mulheres, velhos e novos, manifestam-se para exigir que a sua terra centrada em duas freguesias que constituem o pólo urbano de 14 mil habitantes deixe de ser comandada a partir de Guimarães, de que dista uma dezena de quilómetros.
Que estranha memória guarda esta gente que em 1964 quando o regime democrático era ainda uma miragem se uniria à volta de um Movimento para a Restauração do Concelho de Vizela (MRCV)? Que estranha gente é esta que quer restaurar um concelho que deixou de o ser há quase 600 anos, mais concretamente em 1408?
«Depois do 25 de Abril, vimos terras como Felgueiras, Paços de Ferreira e outras crescerem, desenvolverem-se. E Guimarães? É uma cidade que não parou, linda mesmo. Nós ficámos dentro dos nossos acanhados limites. Numa terra com uma das maiores taxas de gente jovem da Europa, não há um pavilhão gimnodesportivo, uma piscina municipal», diz Carlos Teixeira, comerciante reformado, membro do MRCV desde a fundação. É militante organizado há 33 anos. Faz lembrar a velha canção de Chico Buarque de Holanda, «Pedro Pedreiro», aquele que esperava «o aumento desde o ano passado para o mês que vem!»
Inquietação
Recorrendo de novo ao mundo das canções, em Vizela «há sempre inquietação, inquietação», como no tema de José Mário Branco. «E um sentimento», diz José Borges, chefe do posto do CTT em Vizela. O sentimento é bairrismo, alicerçado numa noção de injustiça.
«Em Guimarães há bons acessos, que também são construídos com o nosso dinheiro. Aqui, cada uma das duas freguesias urbanas recebe 30 mil contos por ano. Se fôssemos concelho, teríamos mais dinheiro para gerir os nossos destinos», afirma Manuel Campelos, de 73 anos, considerado o líder do MRCV desde a fundação.
A vila de Vizela é atravessada por uma estrada nacional, a 106. O trânsito é caótico, formam-se longas filas de camiões que desesperam os vizelenses. Olham para Guimarães e vêem o que sempre desejaram possuir: uma variante, que afastasse a confusão do centro da vila, onde, por ironia, se situam umas termas, das mais importantes do país no tratamento de reumatismo e dificuldades respiratórias. «Em 1941, havia cinco (!) carros em Vizela. Nesse ano, começou a falar-se de uma variante e não havia tráfego. Passaram 56 anos e continuamos à espera», recorda Carlos Teixeira.
Não há pagador de promessas na região. Promessas, essas sim, há muitas. Por isso, António Guterres, numa terra de «75 por cento de socialistas», como diz Manuel Campelos, decepcionou profundamente quem o apoiou.
De geração para geração
Cumprindo o seu destino, os vizelenses levantaram-se, uma vez mais, em defesa da bandeira azul e amarela, as cores da terra.
Na quarta-feira, após o regresso de Lisboa, milhares de habitantes reuniram-se na Praça da República. Uma larga percentagem tinha 18, 19 e 20 anos. Quer isto dizer que eram crianças que ainda não tinham ido à escola primária quando, em 1982, se registaram as mais violentas manifestações em prol do município e que culminariam em confrontos com a GNR, depois de terem sido arrancados quatro quilómetros de linha de caminho-de-ferro.
Ei-los, agora, dando os primeiros passos na caminhada. É isto: por uma estranha força interior, misto de bairrismo e de vontade de melhorar as condições em que vivem, os vizelenses não param. O resultado da votação desta semana na Assembleia da República uniu-os ainda mais.
Rejeitam a ideia de se tratar de uma luta contra Guimarães. «Não é! É, sim, uma luta por nós!», dizem os membros do MRCV, constituído por 20 membros que se quotizam para suportar as despesas do Movimento.
Freguesias de vários concelhos
«A região do vale do Vizela é constituída por 20 freguesias que têm uma paisagem comum e fronteiras naturais», diz Manuel Campelos. O concelho de Vizela, a criar e isso parece inevitável terá nove dessas 20: as duas que constituem o pólo urbano, cinco de Guimarães, duas de Lousada e duas de Felgueiras. «São aquelas em que as populações revelaram já esse desejo. E se outras quiserem aderir, também podem», explica o líder da restauração vizelense.
Numa zona onde não há desemprego «afixam-se pedidos para costureiras nas montras das lojas e não há respostas» e onde existe algum poder de compra, os habitantes queixam-se do pouco interesse que Guimarães lhes vota. «Nunca se construiu aqui uma casa de renda económica, nem um pavilhão para a nossa juventude praticar desporto», afirma Carlos Teixeira.
Negam qualquer ódio a Guimarães, mas admitem clivagens. «Até no futebol: eles são vitorianos e benfiquistas. Aqui, mais de 80 por cento são portistas», diz Campelos, um confesso sportinguista.
António Magalhães, presidente da Câmara vimaranense, é um declarado opositor da secessão. Diz tratar-se de uma questão política e não financeira. Afirma que não há razão para separações «se isso acontecesse haveria aqui um grupo de radicais como em Vizela que se manifestaria contra» e acusa os líderes de opinião de Braga de estarem por detrás das movimentações.
«Temos 73 freguesias. Se nos tirarem cinco, a cidade de Braga é que ganha com isso». Por isso, vai declarar «persona non grata» o ex-vice-presidente da bancada socialista António Braga, que votou ao lado de Vizela. «E vamos romper com a federação bracarense do PS», ameaça. A proposta de Guimarães é que se faça um estudo tendo em vista a reorganização do território nacional. No que é secundada por Jorge Magalhães, autarca de Lousada, também «ameaçado» em duas freguesias. Mas o estudo não mudará a vontade vizelense.