Cartaz: Exposições Lista

27-10-2000
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Alberto Giacometti

Fund. Arpad Szenes/Vieira da Silva

Giacometti, «Busto de Mulher (Dianne Bataille)», 1945

O Museu prossegue o seu programa de divulgação de personalidades relevantes do panorama artístico internacional da primeira metade do século. Giacometti (1901-1966), suíço de nascimento, parte para Paris em 1922 onde já no final da década trava contacto com personalidades como Michel Leiris ou Georges Bataille. Até meados dos anos 30, pratica uma escultura a que não é alheia a convivência com o grupo surrealista, explorando imagens oníricas onde o erotismo se explana num ambiente de pesadelo. Daí em diante, A.G. realiza uma escultura de efeito metafísico que, não abandonando a figuração humana, se coloca num campo de escassez volumétrica, uma quase desaparição, o que levou os existencialistas a identificarem o seu trabalho como uma pesquisa no limite entre o ser e o nada. Em Lisboa, mostram-se desenhos e esculturas pertencentes à Fundação Maeght que documentam a segunda fase da obra. Os primeiros possuem características que os ligam simultaneamente à produção escultórica (figuras dominadas pela verticalidade, por vezes com sugestão de movimento), mas também, à pintura que realizou (visões frontais de rostos onde os olhos determinam toda a vibração). As esculturas correspondem à produção que mais contribuiu para o seu reconhecimento: criaturas longilíneas e expectantes, em bronze, que parecem sujeitas a uma erosão milenar, simultaneamente frágeis e resistentes no seu caminhar, outras que vagueiam solitárias com a ventania do tempo como única companhia.(Até 31)

Paulo Brighenti e Richard Reynolds

Gal. Pedro Cera

Richard Reynolds, desenho

São duas exp. completamente autónomas: P.B. mostra novas pinturas no seguimento da sua primeira individual (Gal. Paula Fampa, Braga) e da passagem pelo projecto «Tabaqueira», enquanto R.R., representado na Colecção Saatchi e incluído em The New Neurotic Realism, ocupa a pequena sala-estúdio com um «project room». Brighenti aprofunda em diferentes escalas os estudos lumínicos que vem desenvolvendo em torno da ideia de paisagem. Agora em tons cinza, a pintura ganha uma subtileza que coloca o espectador entre a ténue e vibrátil visibilidade das formas e a imaginação delas. É um exercício no limite entre o ver e a ilusão de ver, praticado no próprio limiar do reconhecimento óptico, o que pode ocasionar um esgotamento a curto prazo destas explorações. O inglês forrou a sala-estúdio da galeria com 80 desenhos que formam uma grelha de aspectos biográficos, sonhos e memórias de pessoas e lugares. Diversos nas técnicas utilizadas como nos modos estilísticos, os desenhos possuem uma comum tonalidade lírica impregnada de efeitos melancólicos a que não se associa qualquer condição neurótica, se descontarmos o carácter voluntariamente dispersivo da sua produção. (Até 23)

Ana Vieira

Fund. Serralves, Porto

O percurso artístico de A.V. é paradigmático em relação às transformações iniciadas durante os anos 60 no panorama português. A sua recusa da pintura (assumida como um divórcio pessoal, mas também como uma sintonização cultural com o espírito do tempo) leva-a ao encontro de experiências objectuais marcadas pela revalorização do «ready-made» duchampiano e à instauração, com maior ou menor preocupação simbólica, de situações e ambientes. Esta antológica recupera o essencial e o re-apresentável das intervenções que levou a cabo e possibilita, enquanto visão de conjunto, o vislumbrar de algumas linhas de força permanentes no seu trabalho: uma relação historicizada com a arte, que passa pela interpretação e citação de imagens de grande circulação (Le Déjeuner sur l'Herbe, 1977, ou Ambiente, 72, com a utilização de uma reprodução da Vénus de Milo); a alusão permanente ao espaço doméstico harmónico e burguês, paradoxalmente instaurado como lugar transparente e impenetrável; uma relação com a pintura que é tradução objectual de códigos visuais marcadamente pictóricos (como nos interessantes objectos-caixas de 72/73); uma preposição quase sempre cénica que recoloca o espectador para além da mera visualização dos objectos, ora pela sua integração (Corredor ou a planta de Ocultação/Desocultação, 78), ora por fazer depender o contacto com a obra do ponto de vista e da acção de quem com ela se encontra (como nas silhuetas). Estes e outros factores fazem da pesquisa de A.V. um campo de permanente e atribulada reinvenção da relação da obra com o seu fruidor, que é simultaneamente apelo à participação e questionação dos limites dessa mesma interacção. (Até 24)

Helena de Almeida

Presença, Porto

Nas últimas três décadas, H.A. utilizou o próprio corpo como possibilidade libertadora da expressão, rasgando ou ligando suportes, criando uma arte multidisciplinar (ou pós-disciplinar) onde os limites entre desenho, pintura, escultura e fotografia são constantemente reavaliados. Nesse percurso, noções como estar «além de », «fora de» ou «dentro de» relacionam-se com uma prática que tenta fazer coincidir o gesto performativo com a edificação paciente de um teatro pessoal onde a imagem-própria é o único elemento constante. «Dentro de Mim» continua esse processo de invenção do próprio corpo (e com ele, o corpo da arte, ou os corpos da arte) num contexto de particular dramatismo. Paradoxalmente, o título, evocativo de uma interioridade, abriga um conjunto de trabalhos onde se reconhece uma marcada ansiedade, exteriorizada numa banda emocional que se percorre do patético ao trágico, do lúdico ao obsessivo, da energia ao prostramento. Nesse circuito convulsivo, o corpo vai sendo o depósito de uma arte da fragilidade, que é dizer, uma maneira de visitar os limites e as impotências da condição humana, que incorpora (o termo aqui pede literalidade) tanto o que resta de vitalidade, como a antevisão de um fim. (Até 23)

Sofia Areal

Gal. André Viana, Porto

Depois de uma presença no Museu Henrique e Francisco Franco (Funchal), em colaboração com Alberto Caetano, e da amostragem das pinturas e desenhos utilizados na cenografia da peça Prometeu (encenada por Jorge Silva Melo), S.A. termina o ano com uma inusitada exposição. De par com recentes desenvolvimentos da sua poética habitual mostram-se pinturas que abrem caminho a uma nova fase criativa. São duas grandes telas a óleo, onde a sugestão paisagística não anula a mesma subjectividade que a pintura de S.A. sempre impõe à arregimentação de formas do real. Nelas domina o azul das superfícies quase lisas, por oposição aos anteriores jogos rítmicos, mas também aqui se pretende a indefinição do ponto de vista: serão paisagens marinhas vistas de terra, ou latitudes terrestres espelhadas pela proximidade do mar? Nada nesta pintura nos fornece uma resposta, nem é essa a sua intenção última. Não se trata de imagens encontradas, mas sim de uma antevisão de imagens prometidas, o que nos coloca diante dos retratos possíveis de uma espera. (Até 15) CELSO MARTINS

Alice Geirinhas

Bedeteca de Lisboa

Alice Geirinhas, ilustração

Tendo exposto pela primeira vez em 95 («A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer», ZDB), o percurso artístico de A.G. divide-se entre uma produção no campo da pintura e da instalação, com alguns trabalhos assumidos na autoria colectiva dos Sparring Partners (com Pedro Amaral e João Fonte Santa) e uma actividade regular no domínio da ilustração em várias publicações. A exp. reúne cerca de uma centena de ilustrações realizadas entre 95 e 98 (algumas delas inéditas), na sua grande maioria encomendas para «O Independente», que agora são mostradas no seu formato original (pequenos rectângulos de «scratch board», à excepção das seis serigrafias sobre tela, História da Tânia Vanessa). Sob um olhar atento à condição feminina (por exemplo, na figura da «mãe moderna»), estas crónicas visuais recorrem a uma série de personagens efabuladas, próximas de um imaginário infantil, que protagonizam de um modo irónico uma crítica de costumes e da actualidade política e social, extensível aos lugares comuns do sistema cultural. Num registo gráfico com laivos expressionistas que confere unidade à sua obra, e embora longe do país das maravilhas, «Alice» é uma exp. a não perder. (Até 28 Fev.) LÚCIA MARQUES

Graça Morais

111, Porto

Graça Morais, pintura da série «Geografias do Sagrado»

Existe certamente um excesso de ambição, e uma ambição por cumprir, nas pinturas recentes de G.M., em especial quando toma por tema cenas do trabalho rural (a apanha da azeitona) e as conjuga com imagens religiosas (a descida da Cruz) e ainda com referências a situações de sofrimento e angústia da actualidade mundial (vítimas do terrorismo, refugiados de guerra, informa a própria artista). Recusando os recursos da colagem e da fragmentação e deslocação de imagens, que manteriam uma diferença de processos compatibilizável com a pluralidade temática, e afastando-se das sobreposições que usou em anteriores pinturas-palimpsesto, G.M. unifica a composição e os meios picturais (aliás, usando o carvão e o pastel, entre desenho e pintura), apostando no projecto do que seria uma nova «pintura de história», ao mesmo tempo realista, heróica e sagrada, em que sintetiza a saga do mundo rural, mitificada numa visão arcaizante, com a evocação das dores e esperanças (?) do mundo. Se tal projecto fosse conceptualmente sustentável, a sua concretização suporia o domínio de meios que se perderam com a academização dos géneros clássicos, ao longo do século XIX, e com a respectiva crítica levada a cabo pela tradição moderna. Por vezes, a diferença entre o realismo fotográfico dos motivos rurais, acentuado pela redução ao preto e branco, e a irrupção do imaginário, marcado pela cor ou pela simplificação das formas, deixa entrever um campo de possibilidades, mas essa dissociação de representações, de efeito distanciador, é agora travada pela artista. Para quem reconhece a importância da obra de G.M. e o seu talento (mas o talento pode ser uma qualidade perigosa), a larga extensão e diversidade de trabalhos mostrados ganhariam com uma sistematização reflectida das experiências: confronte-se, por exemplo, uma tela sobre a matança do porco onde a origem fotográfica ganha coerência com o enquadramento que secciona as figuras, mas sem que a circulação entre os diferentes «media» ganhe qualquer sentido acrescido, com outra onde Cristo com a cruz se sobrepõe a um retrato de Joseph Beuys com a sua lebre, sem que nessa aproximação entre duas vias de redenção, a religião e a arte, se adivinhe qualquer propósito reflexivo, perturbando a ilustração com a ironia. O projecto de documentação antropológica, também presente na série dos caretos, implicaria um repensar das condições necessárias a um renovado realismo; tratar a figura de um modo que suspenderia as «facilidades» da simplificação formal, da deformação ou estilização exige reequacionar o trabalho da representação, pondo em questão as alternativas que têm origem no uso da documentação, do modelo vivo e da imaginação.(Até 23)

Eduardo Arroyo

Centro Cultural da Gandarinha, Cascais

Em Paris, nos anos 60, este espanhol exilado foi um dos nomes da figuração narrativa parisiense, então com fortes implicações de crítica política e moral. A acutilância das denúncias sobre a realidade quotidiana e os mitos culturais foi-se tornando uma pose de humorista, esvaziado da anterior responsabilidade interventiva, ao mesmo tempo que a prática da apropriação das imagens mediatizadas, da publicidade e da banda desenhada, que então fundava a «nova figuração», se estabilizou na esquematização de uma linguagem idêntica às simplificações do design gráfico. A recente retrospectiva do Rainha Sofia confirmou o interesse circunstancial das intenções iniciais, a sobrevivência difícil de muitas citações e variações sobre outras obras maiores e, por fim, a congelação das fórmulas. (Até 22)

Marc Riboud

Culturgest

Marc Riboud, Pequim, 1957

Ao longo de mais de 40 anos, Riboud percorreu a China. Foi um dos primeiros fotógrafos ocidentais autorizado a visitá-la, logo em 1956, e foi construindo o mais vasto registo da sua constante transformação. Associando imagens com décadas de distância, dos rigores da construção do socialismo à recente atracção pelo mercado e os modelos ocidentais, a exp. é uma longa marcha onde a atenção inteligente aos pequenos indícios escreve a história através do quotidiano e do individual, guiada pelas legendas com os comentários do autor. Documento e interpretação, os «momentos decisivos» de M.R. não acompanham a cronologia da revolução chinesa ou a história das convulsões do regime, mas são um testemunho magnífico, um olhar interessado e crítico sobre o gigante do outro lado do mundo. É uma grande exp. que foi inaugurada em Paris em 1996, mostrada em Pequim e entrou a seguir em digressão internacional, onde está presente a melhor tradição do fotojornalismo elevado ao plano do ensaio fotográfico. (Até 21 Mar.) A. P

Alberto Giacometti

Fund. Arpad Szenes/Vieira da Silva

Giacometti, «Busto de Mulher (Dianne Bataille)», 1945

O Museu prossegue o seu programa de divulgação de personalidades relevantes do panorama artístico internacional da primeira metade do século. Giacometti (1901-1966), suíço de nascimento, parte para Paris em 1922 onde já no final da década trava contacto com personalidades como Michel Leiris ou Georges Bataille. Até meados dos anos 30, pratica uma escultura a que não é alheia a convivência com o grupo surrealista, explorando imagens oníricas onde o erotismo se explana num ambiente de pesadelo. Daí em diante, A.G. realiza uma escultura de efeito metafísico que, não abandonando a figuração humana, se coloca num campo de escassez volumétrica, uma quase desaparição, o que levou os existencialistas a identificarem o seu trabalho como uma pesquisa no limite entre o ser e o nada. Em Lisboa, mostram-se desenhos e esculturas pertencentes à Fundação Maeght que documentam a segunda fase da obra. Os primeiros possuem características que os ligam simultaneamente à produção escultórica (figuras dominadas pela verticalidade, por vezes com sugestão de movimento), mas também, à pintura que realizou (visões frontais de rostos onde os olhos determinam toda a vibração). As esculturas correspondem à produção que mais contribuiu para o seu reconhecimento: criaturas longilíneas e expectantes, em bronze, que parecem sujeitas a uma erosão milenar, simultaneamente frágeis e resistentes no seu caminhar, outras que vagueiam solitárias com a ventania do tempo como única companhia.(Até 31)

Paulo Brighenti e Richard Reynolds

Gal. Pedro Cera

Richard Reynolds, desenho

São duas exp. completamente autónomas: P.B. mostra novas pinturas no seguimento da sua primeira individual (Gal. Paula Fampa, Braga) e da passagem pelo projecto «Tabaqueira», enquanto R.R., representado na Colecção Saatchi e incluído em The New Neurotic Realism, ocupa a pequena sala-estúdio com um «project room». Brighenti aprofunda em diferentes escalas os estudos lumínicos que vem desenvolvendo em torno da ideia de paisagem. Agora em tons cinza, a pintura ganha uma subtileza que coloca o espectador entre a ténue e vibrátil visibilidade das formas e a imaginação delas. É um exercício no limite entre o ver e a ilusão de ver, praticado no próprio limiar do reconhecimento óptico, o que pode ocasionar um esgotamento a curto prazo destas explorações. O inglês forrou a sala-estúdio da galeria com 80 desenhos que formam uma grelha de aspectos biográficos, sonhos e memórias de pessoas e lugares. Diversos nas técnicas utilizadas como nos modos estilísticos, os desenhos possuem uma comum tonalidade lírica impregnada de efeitos melancólicos a que não se associa qualquer condição neurótica, se descontarmos o carácter voluntariamente dispersivo da sua produção. (Até 23)

Ana Vieira

Fund. Serralves, Porto

O percurso artístico de A.V. é paradigmático em relação às transformações iniciadas durante os anos 60 no panorama português. A sua recusa da pintura (assumida como um divórcio pessoal, mas também como uma sintonização cultural com o espírito do tempo) leva-a ao encontro de experiências objectuais marcadas pela revalorização do «ready-made» duchampiano e à instauração, com maior ou menor preocupação simbólica, de situações e ambientes. Esta antológica recupera o essencial e o re-apresentável das intervenções que levou a cabo e possibilita, enquanto visão de conjunto, o vislumbrar de algumas linhas de força permanentes no seu trabalho: uma relação historicizada com a arte, que passa pela interpretação e citação de imagens de grande circulação (Le Déjeuner sur l'Herbe, 1977, ou Ambiente, 72, com a utilização de uma reprodução da Vénus de Milo); a alusão permanente ao espaço doméstico harmónico e burguês, paradoxalmente instaurado como lugar transparente e impenetrável; uma relação com a pintura que é tradução objectual de códigos visuais marcadamente pictóricos (como nos interessantes objectos-caixas de 72/73); uma preposição quase sempre cénica que recoloca o espectador para além da mera visualização dos objectos, ora pela sua integração (Corredor ou a planta de Ocultação/Desocultação, 78), ora por fazer depender o contacto com a obra do ponto de vista e da acção de quem com ela se encontra (como nas silhuetas). Estes e outros factores fazem da pesquisa de A.V. um campo de permanente e atribulada reinvenção da relação da obra com o seu fruidor, que é simultaneamente apelo à participação e questionação dos limites dessa mesma interacção. (Até 24)

Helena de Almeida

Presença, Porto

Nas últimas três décadas, H.A. utilizou o próprio corpo como possibilidade libertadora da expressão, rasgando ou ligando suportes, criando uma arte multidisciplinar (ou pós-disciplinar) onde os limites entre desenho, pintura, escultura e fotografia são constantemente reavaliados. Nesse percurso, noções como estar «além de », «fora de» ou «dentro de» relacionam-se com uma prática que tenta fazer coincidir o gesto performativo com a edificação paciente de um teatro pessoal onde a imagem-própria é o único elemento constante. «Dentro de Mim» continua esse processo de invenção do próprio corpo (e com ele, o corpo da arte, ou os corpos da arte) num contexto de particular dramatismo. Paradoxalmente, o título, evocativo de uma interioridade, abriga um conjunto de trabalhos onde se reconhece uma marcada ansiedade, exteriorizada numa banda emocional que se percorre do patético ao trágico, do lúdico ao obsessivo, da energia ao prostramento. Nesse circuito convulsivo, o corpo vai sendo o depósito de uma arte da fragilidade, que é dizer, uma maneira de visitar os limites e as impotências da condição humana, que incorpora (o termo aqui pede literalidade) tanto o que resta de vitalidade, como a antevisão de um fim. (Até 23)

Sofia Areal

Gal. André Viana, Porto

Depois de uma presença no Museu Henrique e Francisco Franco (Funchal), em colaboração com Alberto Caetano, e da amostragem das pinturas e desenhos utilizados na cenografia da peça Prometeu (encenada por Jorge Silva Melo), S.A. termina o ano com uma inusitada exposição. De par com recentes desenvolvimentos da sua poética habitual mostram-se pinturas que abrem caminho a uma nova fase criativa. São duas grandes telas a óleo, onde a sugestão paisagística não anula a mesma subjectividade que a pintura de S.A. sempre impõe à arregimentação de formas do real. Nelas domina o azul das superfícies quase lisas, por oposição aos anteriores jogos rítmicos, mas também aqui se pretende a indefinição do ponto de vista: serão paisagens marinhas vistas de terra, ou latitudes terrestres espelhadas pela proximidade do mar? Nada nesta pintura nos fornece uma resposta, nem é essa a sua intenção última. Não se trata de imagens encontradas, mas sim de uma antevisão de imagens prometidas, o que nos coloca diante dos retratos possíveis de uma espera. (Até 15) CELSO MARTINS

Alice Geirinhas

Bedeteca de Lisboa

Alice Geirinhas, ilustração

Tendo exposto pela primeira vez em 95 («A Nossa Necessidade de Consolo É Impossível de Satisfazer», ZDB), o percurso artístico de A.G. divide-se entre uma produção no campo da pintura e da instalação, com alguns trabalhos assumidos na autoria colectiva dos Sparring Partners (com Pedro Amaral e João Fonte Santa) e uma actividade regular no domínio da ilustração em várias publicações. A exp. reúne cerca de uma centena de ilustrações realizadas entre 95 e 98 (algumas delas inéditas), na sua grande maioria encomendas para «O Independente», que agora são mostradas no seu formato original (pequenos rectângulos de «scratch board», à excepção das seis serigrafias sobre tela, História da Tânia Vanessa). Sob um olhar atento à condição feminina (por exemplo, na figura da «mãe moderna»), estas crónicas visuais recorrem a uma série de personagens efabuladas, próximas de um imaginário infantil, que protagonizam de um modo irónico uma crítica de costumes e da actualidade política e social, extensível aos lugares comuns do sistema cultural. Num registo gráfico com laivos expressionistas que confere unidade à sua obra, e embora longe do país das maravilhas, «Alice» é uma exp. a não perder. (Até 28 Fev.) LÚCIA MARQUES

Graça Morais

111, Porto

Graça Morais, pintura da série «Geografias do Sagrado»

Existe certamente um excesso de ambição, e uma ambição por cumprir, nas pinturas recentes de G.M., em especial quando toma por tema cenas do trabalho rural (a apanha da azeitona) e as conjuga com imagens religiosas (a descida da Cruz) e ainda com referências a situações de sofrimento e angústia da actualidade mundial (vítimas do terrorismo, refugiados de guerra, informa a própria artista). Recusando os recursos da colagem e da fragmentação e deslocação de imagens, que manteriam uma diferença de processos compatibilizável com a pluralidade temática, e afastando-se das sobreposições que usou em anteriores pinturas-palimpsesto, G.M. unifica a composição e os meios picturais (aliás, usando o carvão e o pastel, entre desenho e pintura), apostando no projecto do que seria uma nova «pintura de história», ao mesmo tempo realista, heróica e sagrada, em que sintetiza a saga do mundo rural, mitificada numa visão arcaizante, com a evocação das dores e esperanças (?) do mundo. Se tal projecto fosse conceptualmente sustentável, a sua concretização suporia o domínio de meios que se perderam com a academização dos géneros clássicos, ao longo do século XIX, e com a respectiva crítica levada a cabo pela tradição moderna. Por vezes, a diferença entre o realismo fotográfico dos motivos rurais, acentuado pela redução ao preto e branco, e a irrupção do imaginário, marcado pela cor ou pela simplificação das formas, deixa entrever um campo de possibilidades, mas essa dissociação de representações, de efeito distanciador, é agora travada pela artista. Para quem reconhece a importância da obra de G.M. e o seu talento (mas o talento pode ser uma qualidade perigosa), a larga extensão e diversidade de trabalhos mostrados ganhariam com uma sistematização reflectida das experiências: confronte-se, por exemplo, uma tela sobre a matança do porco onde a origem fotográfica ganha coerência com o enquadramento que secciona as figuras, mas sem que a circulação entre os diferentes «media» ganhe qualquer sentido acrescido, com outra onde Cristo com a cruz se sobrepõe a um retrato de Joseph Beuys com a sua lebre, sem que nessa aproximação entre duas vias de redenção, a religião e a arte, se adivinhe qualquer propósito reflexivo, perturbando a ilustração com a ironia. O projecto de documentação antropológica, também presente na série dos caretos, implicaria um repensar das condições necessárias a um renovado realismo; tratar a figura de um modo que suspenderia as «facilidades» da simplificação formal, da deformação ou estilização exige reequacionar o trabalho da representação, pondo em questão as alternativas que têm origem no uso da documentação, do modelo vivo e da imaginação.(Até 23)

Eduardo Arroyo

Centro Cultural da Gandarinha, Cascais

Em Paris, nos anos 60, este espanhol exilado foi um dos nomes da figuração narrativa parisiense, então com fortes implicações de crítica política e moral. A acutilância das denúncias sobre a realidade quotidiana e os mitos culturais foi-se tornando uma pose de humorista, esvaziado da anterior responsabilidade interventiva, ao mesmo tempo que a prática da apropriação das imagens mediatizadas, da publicidade e da banda desenhada, que então fundava a «nova figuração», se estabilizou na esquematização de uma linguagem idêntica às simplificações do design gráfico. A recente retrospectiva do Rainha Sofia confirmou o interesse circunstancial das intenções iniciais, a sobrevivência difícil de muitas citações e variações sobre outras obras maiores e, por fim, a congelação das fórmulas. (Até 22)

Marc Riboud

Culturgest

Marc Riboud, Pequim, 1957

Ao longo de mais de 40 anos, Riboud percorreu a China. Foi um dos primeiros fotógrafos ocidentais autorizado a visitá-la, logo em 1956, e foi construindo o mais vasto registo da sua constante transformação. Associando imagens com décadas de distância, dos rigores da construção do socialismo à recente atracção pelo mercado e os modelos ocidentais, a exp. é uma longa marcha onde a atenção inteligente aos pequenos indícios escreve a história através do quotidiano e do individual, guiada pelas legendas com os comentários do autor. Documento e interpretação, os «momentos decisivos» de M.R. não acompanham a cronologia da revolução chinesa ou a história das convulsões do regime, mas são um testemunho magnífico, um olhar interessado e crítico sobre o gigante do outro lado do mundo. É uma grande exp. que foi inaugurada em Paris em 1996, mostrada em Pequim e entrou a seguir em digressão internacional, onde está presente a melhor tradição do fotojornalismo elevado ao plano do ensaio fotográfico. (Até 21 Mar.) A. P

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